sábado, 12 de abril de 2014

Jogos Eternos – Brasil 2x3 Itália 1982


Jogo Histórico da Copa do Mundo de 1982 entre as Seleções de Itália e Brasil



Perfilados e prontos para o show: o Brasil de 1982 era pura música. Em pé: Waldir Peres, Leandro, Oscar, Falcão, Luisinho e Júnior. Agachados: Sócrates, Cerezo, Serginho, Zico e Éder.

Brasil e Itália chegaram ao duelo do dia 05 de julho de 1982 em situações muito, mas muito opostas. Do lado brasileiro, o clima era de festa, confiança extrema e créditos de sobra após uma campanha impecável na primeira fase – vitórias sobre URSS (2x1), Escócia (4x1) e Nova Zelândia (4x0) – e um acapachante triunfo por (3x1) sobre a Argentina, este já na segunda fase. Em todas as vitórias brasileiras, o público espanhol se encantou com o futebol cheio de classe, vigor, toques inteligentes e gols magníficos do esquadrão montado por Telê Santana. Era a mais bela Seleção Brasileira como há anos não se via, mais precisamente desde o timaço de Pelé e companhia que ganhou o tricampeonato mundial, em 1970. Já a Itália juntava os cacos de seu futebol após o escândalo do Totonero, que deflagrou uma grande máfia de manipulação de resultados que puniu clubes, dirigentes e jogadores, incluindo Paolo Rossi, que ficou dois anos sem jogar. Mesmo com vários bons jogadores, o técnico Enzo Bearzot sofreu com a marcação cerrada da imprensa e com a falta de ânimo do elenco, que empatou os três jogos da primeira fase (0x0) com a Polônia, (1x1) com o Peru e (1x1) com Camarões) e só se classificou para a etapa seguinte por causa do saldo de gols. Nem a vitória por (2x1) sobre a Argentina, com uma atuação muito melhor do que na primeira fase, serviu para amenizar as críticas da torcida italiana, que tinha quase certeza na derrota para o poderoso e “imbatível” Brasil.

Naquela segunda fase, os campeões de cada um dos quatro grupos fariam as semifinais. Ao Brasil, bastava um empate. À Itália, só a vitória interessava. Antes do duelo, praticamente ninguém apostava nos europeus tamanha diferença técnica entre os adversários. A Itália jogava um futebol sem graça, sem brilho e sem ação. O Brasil jogava um futebol cheio de graça, cheio de brilho, com muita ação e muitos gols. O palco da partida seria o Estádio Sarriá, em Barcelona, cidade do famoso clube homônimo conhecido por sempre praticar um futebol vistoso e jantar seus oponentes no Camp Nou, palco que deveria, por méritos, abrigar uma partida tão importante e tão cheia de história.



Gentile grudado em Zico: a síntese da marcação italiana naquela tarde.

Quando entrou em campo, o time do Brasil parecia já ter consigo a vitória. Os jogadores tinham confiança plena em si e sabiam que os gols sairiam com naturalidade e na hora que eles bem entendessem. Mas foi só a bola rolar para todo aquele pensamento e toda aquela aura mística construída ao redor do esquadrão verde e amarelo esmaecer. 

Pela primeira vez na Copa, o time de Telê Santana enfrentava um adversário que marcava homem a homem, sem deixar espaços nem chances para os pensantes brasileiros arquitetarem suas obras de arte. Oriali grudava em Éder. Colovati mirava Serginho. Cabrini vigiava Sócrates. Gentile era a sombra de Zico. Conti não saía de perto do companheiro de Roma, Falcão. Graziani atrapalhava as investidas de Leandro. Antognoni recuava para infernizar Cerezo. Só Rossi não tinha função. Ou melhor, tinha sim: marcar gols. Aquele era o jogo para o “bambino de ouro” afastar de vez a urucubaca e classificar a Itália para a semifinal. No entanto, ninguém dava bola para ele. Nem o público, muito menos os zagueiros brasileiros. E esse desprezo seria duramente penalizado.

Com apenas cinco minutos, a Itália mostrou a todos o primeiro ponto fraco do time sul-americano: a bola aérea. O lateral Cabrini, com liberdade e sem o incômodo de Leandro, recebeu livre após boa inversão de jogo e viu Rossi na área. O cruzamento foi certeiro, bem como a cabeçada do camisa 20, que apareceu entre Luisinho e Júnior e mandou para as redes de Waldir Peres: (1x0). Enfim, Rossi havia marcado seu primeiro gol na Copa. E, pela terceira vez no Mundial, o Brasil saía atrás no marcador. O gol italiano não assustou ninguém, afinal, o timaço de Telê sempre vencia e sempre virava. Minutos depois, Zico encontrou um espaço diante da marcação cerrada de Gentile, roubou uma bola na entrada da área e deu de bandeja para Serginho. O centroavante brasileiro tinha o gol escancarado à sua frente, mas o chute do camisa 9 foi bisonho, grotesco, horrível, repugnante! A bola saiu pela linha de fundo e a nação brasileira lamentou profundamente a ausência de Careca. 

O Brasil era só ataque, e a Itália era só marcação, jogando de maneira plena e com uma aplicação tática fora do comum. Mas, aos 12´, a genialidade de Zico superou qualquer recomendação do técnico Enzo Bearzot ou qualquer puxada de camisa de Gentile. Após receber de Falcão, o camisa 10, num lapso de segundo, driblou seu marcador e tocou fantasticamente para Sócrates, que vinha na corrida pela direita. O Doutor chutou entre a trave e Dino Zoff e marcou um golaço: (1x1). Festa no Sarriá! E alívio no Brasil.



Sócrates finaliza uma jogada maravilhosa: golaço do Brasil.


Ainda confiantes, os brasileiros seguiram no ataque e tinham tanta calma que nem sequer pediram pênalti após Gentile puxar a camisa de Zico dentro da área. Parecia que os sul-americanos não queriam matar o jogo logo. Eles queriam dar show. Mas a Itália precisava vencer. Era preciso tomar a bola daqueles brasileiros a qualquer custo. À espreita, cada italiano aguardava um único vacilo para contra-atacar. E ele aconteceu. Aos 25´, Toninho Cerezo estava no meio de campo, com a bola dominada, e só precisava efetuar um passe simples para que uma possível jogada de ataque fosse construída. Mas Cerezo errou. Devaneou. Deve ter pensado na fase seguinte, na final, no título. Se esqueceu que ainda tinha a Itália. E Paolo Rossi. O atacante recebeu o passe de Cerezo, saiu em disparada como um foguete e fuzilou Waldir Peres: (2x1). A Itália estava novamente na frente. E Cerezo ameaçou chorar. Júnior percebeu, foi até ele e disse: “se não parar de chorar, meto-lhe a mão na cara. Esse é um jogo para homens, Toninho. Se você está com medo, saia logo”.



Rossi e a bola: perigo constante para o Brasil.

Não era apenas Cerezo que tinha medo. O torcedor brasileiro, bem como o espanhol, começava a temer pelo pior. O Brasil não encaixava seu jogo de antes. E a Itália jogava como jamais havia jogado antes. O tempo passou e os gols não saíram por causa da zaga italiana, impecável e um verdadeiro muro, com o líbero Scirea capitaneando as ações como quem comandava um imponente e azzurro transatlântico. Após o apito do árbitro israelense Abraham Klein, os brasileiros foram para os vestiários precisando de mais um gol. Haveria mais emoção. E como.


Falcão chuta para empatar e dar esperanças para o Brasil.

Com apenas 45 minutos para reverter sua situação, o Brasil começou com tudo o segundo tempo e se mandou para o ataque logo de cara. A Itália apostava na tática da primeira etapa e se resguardava em seu campo de defesa, só esperando o momento certo para dar o bote. Só dava Brasil e, nos poucos lances em que a Itália conseguia ter a bola consigo, era sempre pelo lado esquerdo, com Cabrini, aproveitando a ausência de um ponta-direita no Brasil. Falcão, num chute que raspou a trave, Serginho e Leandro tentavam, mas a falta de pontaria e Dino Zoff evitavam o empate canarinho. Os italianos também arriscavam com Conti e Rossi, mas a bola teimava em não entrar. Mas, aos 27´, mais um golaço brasileiro colocou fogo no jogo e reascendeu os ânimos dos amantes do futebol arte. Júnior, ao seu estilo, deixou a lateral-esquerda e foi avançando pela diagonal em direção à área. O craque tocou para Falcão, que podia deixar com Cerezo, na direita. Mas o Rei de Roma percebeu que a marcação italiana estava se afastando e decidiu mandar um petardo que destruiria tranquilamente a outra metade do Coliseu: (2x2). E que golaço! 



Falcão extravasa após marcar golaço...


Na comemoração, Falcão berrou, vibrou e mostrou para todo mundo suas veias saltadas com o sangue da emoção, o Puro Sangue que tanto os torcedores do Internacional conheciam. Era o retrato pleno da alegria que o Brasil sentia naquele momento. A semifinal estava perto. O futebol arte estava vencendo!



Jogadores da Azurra abraçam Paolo Rossi, em tarde iluminada do atacante que marcou 3 vezes e eliminou o Brasil.

Depois do gol, Telê Santana tirou Serginho e colocou Paulo Isidoro não para manter o placar, mas para marcar mais gols. Não era da filosofia do técnico retrancar sua equipe. Seria um sacrilégio mandar Falcão, Zico, Éder e Sócrates ficarem atrás da linha do meio de campo sem avançar um centímetro sequer. Mas ali nasceu o entusiasmo italiano e o caminho para tentar mais um gol. Aquele Brasil sabia atacar, mas não sabia se defender. Embora os sul-americanos continuassem atacando e buscando o terceiro gol, a Itália, nas poucas vezes em que ia para o ataque, causava problemas na zaga brasileira. Perto dos trinta minutos, a Azzurra buscava um gol na jogada aérea e a bola foi desviada para escanteio. Na cobrança, os brasileiros se amontoaram na grande área e, ao invés de cada um pegar um, vários italianos ficaram sozinhos. Incluindo um camisa 20. A bola viajou, Tardelli tentou o chute, a bola foi desviada e Paolo Rossi, livre, marcou: (3x2). Ninguém entendeu nada. Os brasileiros, atônitos, olhavam para o árbitro e para o bandeirinha como quem diz “ele não estava impedido? De onde ele veio?”. Rossi saiu correndo em puro êxtase com o que tinha acabado de fazer: três gols em cima do Brasil.



A lamentação de Sócrates e Éder após o apito final.

Faltavam quinze minutos. O Brasil precisava de apenas mais um gol. Mas o terceiro gol italiano foi de exaurir as energias. De rabiscar as táticas. De esfriar todo e qualquer ânimo. Os entusiasmados espanhóis percebiam que aquele Brasil poderia, sim, ser eliminado. E que a Itália, incrivelmente, poderia se classificar. Com 25 chutes a gol na partida, o Brasil deu apenas um nos quatorze minutos seguintes ao gol fatídico de Rossi. Já a Itália ainda marcou o quarto, com Antognoni, após boa jogada de Rossi, mas o bandeirinha anulou o tento por impedimento. Aos 44´, Éder cobrou uma falta da esquerda na cabeça do zagueiro Oscar. Ele cabeceou firme, em direção ao chão, mas Dino Zoff fez uma defesa espetacular, segurando a bola quase em cima da linha. Muitos acharam que foi gol, mas o veterano capitão italiano, com a bola em seus braços, calou qualquer contestação adversária. Mais alguns segundos e pronto. Era o fim de jogo. A Itália, tão contestada, tão execrada e tão ignorada, estava classificada. E o Brasil, tão elogiado, tão maravilhado e tão endeusado, estava eliminado.



Paolo Rossi impediu naquela tarde no Sarriá, que o Futebol Arte da Seleção Brasileira sucumbisse ao pragmático  futebol da Azurra... Coisas do Futebol.

Para os amantes do futebol arte, a derrota dos sul-americanos era uma verdadeira tragédia, algo inimaginável. Assim como a Hungria, em 1954, e a Holanda, em 1974, mais uma grande seleção ficava pelo caminho e não faturava a Copa do Mundo. Pior do que isso, a derrota brasileira foi também a morte do “Joga Bonito” e da magia no futebol verde e amarelo. Os três gols de Paolo Rossi mataram os últimos vestígios de beleza que o Brasil tinha. Dali em diante, a equipe brasileira só jogaria um futebol simples, normal, “terráqueo” e com poucos lances dignos dos deuses. Mais duas Copas seriam ganhas, em 1994 e em 2002, mas nenhuma com a plasticidade e a exuberância dos times de 1958, 1962, 1970 e 1982. A comoção foi tão grande que a Espanha inteira decretou que a Copa “havia terminado” com a eliminação brasileira, a ponto de um jornal de Sevilha estampar em sua capa: “Por favor, voltem logo. Será difícil que nos acostumemos a outro tipo de futebol”. Anos depois, até o palco daquela fatídica partida, o Estádio Sarriá, não continuou em pé e parou de alimentar lembranças tão dolorosas. Ele virou pó e entulhos em apenas três segundos e deu lugar a um grande condomínio residencial.

(Fontes do Site Imortais do Futebol)